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30 de mar. de 2011

Trajetórias II: Dercílio Aristeu Pupin

Trajetórias: Dercílio Aristeu Pupin


A jornada agroecológica com a qual tenho me comprometido remete à imagem de meu pai (agricultor, semi-analfabeto, do interior paulista) iniciando seu dia às 5 horas da manhã, rumo à lavoura, acompanhado de meus irmãos e irmãs, apenas com uma enxada e um chapéu de palha.

Nasci no ano de 1966, em uma área rural de Santa Fé do Sul (SP), que, ao que se tem notícia, caminhava à margem do clima de ditadura militar em que vivia o país. Ali, a vida corria mansa, bem ao ritmo da natureza, fazendo jus ao lugar onde se encontram os Rios Grande e Paranaíba, dando origem ao Rio Paraná.

Era a época do êxodo rural, incentivado pelo milagre econômico, quando o emprego nas tecelagens era farto e se beneficiava da mão-de-obra dos agricultores que migravam para as cidades.

Dentro de casa, a vida era bem simples e muito próxima da natureza: fogão à lenha; lamparinas a querosene; colchão de palha de milho; travesseiro de paina; brinquedos de carretel, sabugo e bucha; chuveiro de latão com carretilha. A energia elétrica, só vim conhecer aos 9 anos de idade.

O aprendizado se dava na observação e através da experiência dos mais velhos. Tudo era partilhado: roupas, calçados, comidas, brincadeiras e muita esperança.

A religiosidade tradicional católica nos mantinha fiéis às tradições do local: terços, via-sacras, quermesses... Tínhamos até uma roupa especial para as missas aos dominicais. Era a roupa de ver Deus!

A mudança para a cidade, a vida com asfalto, esgoto, água encanada, geladeira e fogão a gás, assim como as inquietações vocacionais, abririam outro leito caudaloso. Outros ecossistemas, aos poucos, pareciam se constituindo.

A vida escolar, a faculdade; os primeiros passos como educador; a paixão pela comunicação e suas novas ferramentas; as oportunidades de especialização, o envolvimento em projetos variados e a decepção com algumas instituições, serviram para aguçar a volta às próprias raízes.

O casamento com uma argentina, que também começou sua jornada às margens do Rio Paraná e, a chegada de um casal de filhos, intensificou o retorno ao campo. A idéia era propiciar aos filhos uma infância na copada das árvores, os pés no chão, o convívio com animais, pescaria, aventuras pelo mato....

O que era um desejo pessoal foi sendo enriquecido pela família e no encontro com outras pessoas e realidades.

Ao mudar para a região rural de Campinas, não demorou muito para que os colegas da cidade começaram a demandar produtos da Fazenda, principalmente porque no local já não se usavam agrotóxicos há um bom tempo.

Nesse movimento, comparado a um rio que enfrenta barragens e desvios forçados, comecei a entender também os motivos pelos quais minha história pessoal confluiu com outras histórias, na insistência de abrir caminhos.

À medida que a demanda de produtos sem agrotóxicos foi aumentando, foi necessário também mobilizar os vizinhos; orientar para qual tipo de produto havia demanda; ajudar a precificar, embalar, entregar, etc.

Depois de tentar a organização de uma cooperativa e ter feito experiências em associações, a melhor saída foi fundar uma micro-empresa de articulação de produtores rurais, a Família Orgânica.

A iniciativa foi tomando forma e foram incorporados outros serviços, além do delivery de produtos orgânicos: assessoria a produtores, cursos, parcerias de sustentabilidade, planos de manejo, etc.

Nesse momento, o rio parece tomar força e vai sendo integrado por afluentes e pequenas nascentes, rompendo barreiras e até barragens, constituindo outros movimentos, sempre pela iniciativa de pequenos riachos em busca do grande mar.

Certezas? Para quê?

O desafio é dar continuidade ao que meu velho pai começou. Hoje, as ferramentas são outras. No lugar da pequena enxada e o chapéu de palha, internet, celular, veículos... mas uma mesma esperança: que vida se desenvolva em equilíbrio.


Pupin, Campinas 28 de março de 2011




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